Coréia do Norte, oficialmente República Popular Democrática da
Coréia. Localizada na Ásia Ocidental na parte norte da Península
Coreana. População de aproximadamente vinte e cinco milhões de
habitantes, moeda, idioma, bandeira, hino e leis próprias. Um país
como qualquer outro do ponto de vista burocrático, legal e cultural,
ou pelo menos, essa é a imagem que a imprensa e os livros de
História se esforçam por transmitir. Mas a verdade está bem
distante dessa descrição. E apesar dos motivos da camuflagem não
serem completamente danosos, esse canal tem por objetivo escancarar a
realidade tão insistentemente ocultada pela Historiografia e mídia
internacional, portanto, você saberá agora o real intento por trás
de tal demarcação geográfica.
Contudo, por conta do enredo complexo montado pelas forças políticas
envolvidas no mascaramento da real situação, será antes necessária
a apresentação de um arcabouço conceitual que detalhará cada um
dos elementos coadjuvantes da construção dessa grande farsa.
1. Comicidade e Paradoxos
Já é de conhecimento público há bastante tempo que comicidade e
paradoxos caminham de mãos dadas. Peter Cave, em seu trabalho de
2005 Humour and Paradox Laid Bare [1] (Humor e Paradoxos
Escancarados em uma tradução livre) mostrou que boas piadas
envolvem incongruências. Segundo o autor, “com contexto, nível
alcóolico e habilidade de apresentação suficientes, toda mentira
pode render boas risadas”.
A verdadeira intenção por trás do estabelecimento da Coréia do
Norte tem repouso conceitual e ideológico nesse aspecto da
comicidade investigado por Cave, por isso, vamos analisar os fatos a
partir da ótica dos pilares por ele elencados.
1.1. O Contexto
Após a rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial, em 1945, a
Coréia foi dividida em duas zonas, sendo a parte sul entregue aos
americanos e a parte norte aos russos. Estamos portanto falando de um
cenário pós-guerra onde a integridade nacional fora dividida entre
duas partes ideológica e culturalmente opostas. Psicologicamente,
não pode haver momento mais difícil para um povo.
A ideologia comunista também começava a dar seus primeiros sinais
de fadiga, com sociedades optantes por seu modelo apresentando
notórias desvantagens em qualidade de vida quando comparadas às
economias do oeste. E para piorar a situação da parte norte, o
inimigo capitalista era seu vizinho de terreiro.
O cenário era nitidamente desfavorável para a parte soviética, e
algo precisaria ser feito.
1.2. O Nível Alcóolico
A Rússia tem produzido ao longo das décadas talentos de toda
espécie: músicos, escritores, enxadristas, cientistas, engenheiros,
etc. Mas de tudo que por lá foi produzido, a top-of-mind
[3] de qualquer pessoa quando indagada sobre aquele país é
unânime: vodka.
A vodka russa é de longe a mais conceituada no mundo – e com
justiça. Apreciadores e especialistas apontam para uma qualidade tão
distinta que facilita o vício. Como ilustração, podemos ver abaixo
o efeito do uso prolongado em alguns indivíduos, que mesmo sendo
líderes mundiais não resistiram a tentação.
* de cima para baixo: 1) Presidente russo Vladimir Putin tentando fazer o famoso "4"; 2) ex-presidente brasileiro após o almoço e 3) após o jantar, respectivamente; 4) novamente Putin, após aplicação de glicose; 5) Gandhi, amparado por colegas por não conseguir caminhar sozinho após degustação do aperitivo. *
Maquiavel em O Príncipe [4] já
aconselhava: ao tomar um território, apague qualquer
resquício do comando anterior.
E para o Kremlin, qual seria a melhor forma de estabelecer sua
dominância cultural? Resposta óbvia: levando para lá sua vodka.
Tal iniciativa foi bem sucedida e
prevalece até hoje, como mostra estudo da Organização Mundial da
Saúde [5] com respeito à preferência quase unânime dos
norte-coreanos por spirits.
1.3. A Habilidade de Apresentação
Stalin precisava de alguém capaz de apresentar o projeto ao povo de
maneira tão cômica que transformasse as risadas em atos de
resistência e engajamento ideológico. O comediante Kim Il-Sung era
o homem certo para o trabalho.
Kim, à época contando trinta e três anos, era um famoso comediante
stand-up da região de Pyongyang (hoje capital da Coréia do
Norte). Seu espetáculo em cartaz apresentava sua saga na liderança
do exército coreano que derrotara o exército americano durante a
Segunda Guerra Mundial. Kim apresentava os fatos com seriedade tão
irretocável que até hoje sua piada é tida como realidade [6].
Após assistir a uma sessão regada a vodka, Stalin teria dito com
sotaque russo carregado, “that’s my man”, o que teria arrancado
ainda mais risadas da platéia.
***
Talvez você se pergunte nesse momento qual é a ligação entre a
Coréia do Norte e o humor. Pois bem, prosseguindo na leitura você
tomará a pílula vermelha (no pun intended).
2. O Problema
Como vimos, o momento do estabelecimento da Coréia do Norte
apresentou-se bastante traumático, tanto para seu povo quanto para a
União Soviética, que à época recebera o domínio da parte norte
da Península da Coréia tendo como vizinhos os americanos,
responsáveis pela parte sul.
As dificuldades do Kremlin estavam relacionadas ao padrão de vida
alcançado por nações fora do regime comunista, que logo seria
propagandeado pela parte sul da península e potencialmente
levantaria indagações indigestas com respeito à organização
social vizinha. Junto com essas indagações uma provável emigração
em massa poderia ocorrer, comprometendo os planos soviéticos de
expansão.
Resumindo, tratava-se de uma disputa ideológica e essencialmente
maniqueísta: norte contra sul, comunismo contra capitalismo, e
principalmente, vodka contra cerveja.
3. A Solução
Em seu estudo de 2003, On Humour and Pathology: The role of
paradox and absurdity for ideological survival [2] (Sobre Humor e
Patologia: O papel do paradoxo e do absurdo para a sobrivência
ideológica), a pesquisadora Ivette Cardeña mostrou que interações
baseadas em humor podem trabalhar em benefício da sobrevivência
psicológica e ideológica de populações na presença de
estigmatizações sociais. Nas palavras da autora, “… ironia,
absurdo e paradoxo poderiam ser utilizados para desafiar e
transcender tanto em pensamento quanto em ação, a lógica de
sistemas dominantes e dicotômicos de pensamento ...”.
O trabalho da citada autora apenas formalizou o que já era
amplamente conhecido pela KGB [8], a agência soviética de
inteligência. O órgão, já havia muito, lançava mão desse
conhecimento nos Gulags e em intervenções investigativas.
Nos Gulags [9], as pessoas poderiam optar por morrer ao invés de
terem seu estado de escravidão perpetuado. Por que não o faziam?
Por uma razão simples, embora sutil: nos Gulags trabalhavam os
melhores humoristas soviéticos. Todos os dias, antes do início dos
trabalhos, os prisioneiros se reuniam no refeitório e durante sua
ração matinal assistiam a duas sessões de comédia stand-up.
Embora os temas fossem repetidos (superlativos com respeito à
genitália de Stalin e depreciação da vodka americana), o teor
político fazia com que os prisioneiros se sentissem orgulhosos de
estar ao lado do Kremlin, principalmente as mulheres.
Durante intervenções esporádicas com possíveis dissidentes e
inimigos do estado, acredita-se que agentes da KGB lançavam mão uma
vez mais do conhecido humor russo. Durante o interrogatório, ao
suspeito era apresentada uma piada que mostrava quão astutos eram os
russos, que bebiam vodka em temperatura ambiente durante o frio, ao
contrário dos americanos que colocavam a cerveja para gelar. Em caso
de ausência de risos, o suspeito ter-se-ia condenado duplamente,
pois uma vez encaminhado ao Gulag como traidor (primeira condenação),
ainda seria exposto à mesma piada diariamente.
O humor sempre desempenhou um papel importante na política russa,
como mostra Nikolai Zlobin em seu estudo Humour as Political
Protest [10] (Humor como Protesto Político). Portanto, no caso
norte-coreano, os russos tinham uma excelente oportunidade e a
estratégia era clara: para que a Coréia do Norte sobrevivesse, ela
deveria se transformar na maior obra teatral humorística da
História.
4. A Estratégia
É amplamente sabido que o aparato de propaganda em regimes
totalitários é ao mesmo tempo sofisticado e impositivo. O exemplo
que melhor ilustra a necessidade e efetividade de tal aparato tanto
na ascensão quanto na manutenção de um estado ditatorial se dá
com Joseph Goebbels durante a construção do Nazismo [11].
Como se tratava de um exemplo recente, os soviéticos digeriram e
incrementaram as estratégias de marketing nazistas a fim de garantir
três objetivos:
1. A iniciativa não deveria levantar suspeitas,
ou seja, todos deveriam entender a Coréia do Norte como uma nação
sem imaginar as reais intenções por trás de sua criação.
2. Os elementos de comicidade deveriam ser implícitos e sutis,
ou seja, o conhecimento levantado pelas Ciências Sociais a respeito
da aplicação do humor como arma de resistência em sociedades
ameaçadas por dicotomias deveria ser aplicado, mas não de forma
explícita.
3. No momento certo, quando a utopia comunista estivesse próxima
da concretização, tudo deveria ser revelado,
ou seja, quando a perversão consumista e o fetichismo do produto
tivessem corroído as estruturas sociais e humanas, o plano deveria
ser revelado, bem como o caminho a ser seguido.
5. A Tática
Vamos agora compreender como se deu a tática soviética que teve por
objetivo nos fazer crer que a Coréia do Norte se trata de um país e
não de uma farsa humorística.
5.1. O Nome e a Liderança
A primeira sutileza aplicada à farsa já se apresenta pelo nome do
lugar. Trata-se de um país em regime ditatorial extremo cuja denominação oficial é República Popular Democrática da Coréia.
Tentaram esconder o lugar por trás de uma república criando
eleições diretas. Contudo, há apenas um candidato para presidente
[12].
5.2. Folclore
É sabido que o folclore diz muito a respeito de um povo. Vejamos
então como os soviéticos construiram o folclore norte-coreano de
maneira a dar suporte à encenação. [13,16]
É amplamente divulgado ao redor do “país” que:
a) no momento do nascimento de Kim Jong-Il, uma nova estrela apareceu
no céu, a estação corrente mudou de inverno para primavera e um arco-íris duplo surgiu.
b) Kim Jong-Il inventou o hamburguer.
c) Kim Jong-Il é o maior jogador de golfe e boliche do mundo.
d) Kim Jong-Il curou o nanismo.
Os americanos sempre tentaram retaliar o culto à figura de Kim
Jong-Il com um de seus cidadãos mais ilustres, Chuck Norris, mas
parece que não obtiveram o êxito desejado [14,15].
* de cima para baixo: 1) Chuck Norris se disfarçando de cidadão comum ; 2) Chuck Norris propagandeando as cervejas americanas *
Ainda, é também propagandeado que:
e) Lady Gaga é um homem.
f) Mickey Mouse foi criado pelos chineses.
g) Somos todos iguais na Coréia do Norte, disse Kim Jong-Un.
h) Carros não são permitidos por deixarem a população preguiçosa.
i) Kim Il-Sung escreveu mil e quinhentos livros e compôs seis óperas
completas em três anos.
j) Todos os professores precisam saber tocar sanfona.
k) Os norte-coreanos trabalham seis dias por semana e no sétimo são
convidados a fazer trabalho voluntário.
l) Pesquisadores norte-coreanos concluíram que a Coréia do Norte é
o segundo país mais feliz do mundo, só perdendo para a China.
“Mas essas são possibilidades reais” você poderia indagar, e o
real intento poderia estar escondido até hoje, não fosse um deslize
aparentemente insignificante mas que levantou suspeitas que colocaram
tudo a perder, apontando no sentido correto da grande farsa. Tudo
começou quando anunciaram o seguinte:
m) Kim Jon-Il é um ícone da moda.
Por se tratar de um erro grosseiro de conteúdo, o departamento de
Marketing do Partido Comunista ainda tentou contornar o incidente
lançando uma nova campanha:
n) O porte e consumo de maconha são legais no país.
Mas o erro já havia sido cometido e a opinião pública
internacional já iniciara suas investidas.
5.3. A Tentativa de Manutenção da Farsa
Coube a Kim Jong-Un a árdua tarefa de consertar o erro de
comunicação que havia colocado tudo a perder. No entanto, apesar do
fabuloso aparato de propaganda disponível, setores da imprensa
internacional – aqueles que não estavam envolvidos com a farsa –
iniciaram uma campanha de cunho investigativo sobre as reais
intencões por trás do estabelecimento da República Popular
Democrática da Coréia.
A Kim Jong-Un foi sugerida a seguinte estratégia: 1) blindar
completamente os norte-coreanos de quaisquer fontes de dados não
aliadas à farsa e 2) ressaltar que o humor sempre fizera parte das
raízes culturais da parte norte da Península da Coréia.
A primeira parte do plano tinha implementação relativamente simples.
Bastava intensificar os esforços já em curso para completo
isolamento do país. Já a segunda parte iria requerer planejamento
de longo prazo e atitudes inequívocas.
5.3.1. Ações Internas
A primeira das ações tomadas por Kim Jon-Un teve como objetivo a
associação do país em mais uma encenação humorística, porém,
de alcance limitado. Essa ação serviria como introdução a uma
segunda campanha, de maior alcance.
Nesse primeiro ato, Kim Jong-Un buscou associar o país a um fato
corriqueiro, porém espalhafatoso, e para isso precisava de uma
personagem igualmente chamativa. Tiveram então início as filmagens
de Dennis Rodman’s Big Band in PyongYang [17],
onde o icônico Dennis Rodman
embarca na missão de forjar uma amizade com Kim Jong-Un e na
sequência estabelecer a paz entre as duas nações, Estados Unidos e
Coréia do Norte, a partir de um jogo de basquete. Resumindo, um um
agente infiltrado promove uma partida de basquete entre a maior
potência mundial na modalidade (os Estados Unidos) e um país que
mal sabe pronunciar o nome desse esporte.
Dessa vez Kim Jong-Un obtivera
sucesso, e seu país estava novamente nas manchetes de entretenimento
da mídia mundial. Além disso, como um passo extra, Dennis e Kim se
tornaram realmente amigos, e de maneira tão intensa que Dennis
lançou esforços para que ex-astros da NBA se mudasse para a Coréia
do Norte e ensinassem por lá o esporte [18].
Com o país novamente em evidência, o momento do grand finale
se aproximava.
* de cima para baixo: 1) cartaz de um filme a respeito de um jogo de basquete ; 2) Kim Jong-Un e o charuto de Dennis Rodman *
5.3.2. Propaganda Internacional
É de amplo conhecimento o vazamento de dados de computadores da
Sony, ocasião em que, além de várias senhas e filmes roubados e
distribuídos de forma ilegal, uma filmagem em especial ganhou
destaque. Trata-se do filme A Entrevista,
onde dois jornalistas adentram a Coréia do Norte como agentes
infiltrados com o objetivo de assassinar Kim Jong-Un, a essa altura,
grande amigo de Dennis Rodman.
O aparato de propaganda
impressionou. Alardeou-se que hackers
norte-coreanos (parte mais cômica da trama) teriam invadido os
computadores, em retaliação justamente à ridicularização pública
de Kim.
Percebam, Kim chamou para si a
atenção ficando amigo de Dennis Rodman. Em seguida, reforçou a
imagem promovendo um jogo de basquete contra ex-astros da NBA. Logo
na sequência, lançou outro filme de conteúdo humorístico contendo
seu nome mas que teria sido pirateado justamente em decorrência de
uma achincalhamento prévio de sua pessoa justamente por ser amigo de
Dennis Rodman. Ou seja, com o lançamento do filme, ele foi capaz de,
com uma só tacada remover toda a comicidade relacionada à sua
amizade com Dennis Rodman e à partida de basquete mas mesmo assim
continuar chistoso, ao ter sua morte no filme retratada ao som de Katy Perry.
Trata-se de um golpe de mestre, um dos maiores da História no campo
do Marketing.
6. Resultados e seu papel como cidadão do mundo
A estratégia norte-coreana parece ter dado resultados. A imprensa
internacional voltou a tratar o lugar como um país e até entrou no
clima jocoso ao noticiar que tal nação assusta por fazer
experimentos nucleares. Ainda, é necessário dar crédito a Kim
Jong-Un não só pela execução do plano, mas também por suas
habilidades cênicas.
Mas VOCÊ sabe a verdade, e a verdade sempre deve ser prioridade.
Portanto, é seu papel divulgar essa mensagem e acabar com essa
farsa, pois norte-coreanos estão pagando um preço muito alto por
toda essa encenação, bem como os espectadores de Dennis
Rodman’s Big Band in PyongYang. Eu fiz meu papel, faça você também o seu.
p.s. mais sobre o papel do humor no cotidiano russo pode ser
encontrado aqui: https://www.youtube.com/watch?v=NESWrTFk0T8
[2] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26867070
[19]
http://www.imdb.com/title/tt2788710/











